A mesa. Para alguns, apenas uma peça do mobiliário doméstico
que serve para compor um ambiente da casa e deixá-lo mais bonito. Para outros,
um local cômodo e rápido para depositar tudo o que se traz da rua e se empilham
diversas coisas.
Mas um fato é certo. Quando o indivíduo utiliza a mesa para
a comunhão por meio do alimento, ele desenvolve uma mente mais inteligente,
espírito mais forte, corpo mais saudável e torna-se uma pessoa mais feliz. A
autora Devi Titus traz à tona esse assunto no livro “A Experiência da Mesa”.
Com o intuito de levar o leitor a descobrir relacionamentos mais profundos e
significativos, Devi defende que a mesa tem um impacto significativo sobre a
alma. Ela trata os instantes à mesa como um tesouro que, ao ser aplicado na
hora certa, pode resultar em novos níveis de satisfação nos relacionamentos.
A vida moderna, o excesso de compromissos, o tempo escasso e
também a negligência têm sido os grandes responsáveis pela perda desse momento,
que pode ser considerado sagrado. O ritmo acelerado da sociedade contemporânea
ocasiona a perda de uma comunicação de qualidade e o enfraquecimento das
relações interpessoais. Assim, a família, a comunidade e até a nação acabam
sofrendo as consequências da desagregação.
Através do princípio da mesa, a autora, que é uma das mais
reconhecidas conferencistas e escritoras cristãs da América do Norte, destaca
que o simples fato de abandonar um hábito como o de sentar-se à mesa e
compartilhar a refeição faz com que o indivíduo acabe por se esquecer de valores
considerados fundamentais na vida familiar. “Não existe experiência de vida que
substitua a conexão e o significado criados ao comermos juntos à mesa”, resume
ela. O importante é a troca de afeto. E isso é o que constrói uma família.
Incrementar esse momento diante da mesa potencializa a
comunicação entre os membros da família, pois quando todos têm a oportunidade
de se posicionar face a face, a compreensão da escuta e da fala se iguala,
promovendo comunhão e momentos inesquecíveis que, com certeza, irão trazer
crescimento e serão lembrados para sempre.
Na Escritura Sagrada, há relatos que se referem à mesa desde
o Velho Testamento. A primeira vez que a palavra é usada na Bíblia é em Êxodo
25. Nesse capítulo, Deus entregou a Moisés instruções muito detalhadas sobre o
mobiliário a ser colocado no Tabernáculo, o primeiro lugar oficial de reunião
para o Seu povo. Há registros de ocasiões importantes em que o encontro à mesa
resultava não apenas no partilhar do pão, mas também na transmissão de
doutrinas, valores, ideais e posturas, fato também comprovado pela ciência.
Estudos realizados por universidades da Alemanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha
afirmam que esse momento ajuda na organização social, na imposição de limites,
no enriquecimento das relações interpessoais e do vocabulário.
SANTA MESA
Pensando na realidade bíblica, vale a pena observar a
experiência de Jesus com os discípulos. Um dos elementos pedagógicos usados por
Cristo para ensinar e transformar a vida de 12 homens com histórias e vivências
diferentes foi a reunião em torno da mesa. Nesse lugar especial, Jesus teve
seus pés ungidos por uma mulher e ensinou que quem sabe o quanto foi perdoado
consegue expressar um coração mais grato e adorador (Lucas 7:37).
Em outra ocasião ao redor da mesa, Jesus celebrou a ceia com
os discípulos, e mesmo sabendo que Judas O trairia, não o privou daquele
momento, aproveitando o ensejo para ensinar que ali é um lugar de acolhimento.
O Filho de Deus estava sempre cercado por um grupo, fosse grande ou pequeno, e
utilizava elementos comuns à mesa daquele tempo para ilustrar ensinamentos
simples e profundos.
O livro de Atos, capítulo 24, relata que, ao ressuscitar,
Jesus aparece no caminho de Emaús para os discípulos, que só percebem que quem
estava com eles era Cristo quando param para jantar. E lá estava novamente a
mesa. Também ressurreto, Jesus aparece aos discípulos em um jantar na praia e,
nesse encontro, Ele restaura Pedro. A mesa foi um lugar especial na vida diária
do Salvador. Dessa forma, ela também pode e precisa ser um lugar especial para
a edificação familiar hoje.
O psicólogo e pastor da Igreja Presbiteriana Filadélfia,
Iranildo Ferreira, é casado há 12 anos com Tárcia. Com a chegada do pequeno
Gustavo há pouco mais de um ano, o casal passou a observar que um momento
interessante de ensinar valores ao filho era durante as refeições. Por isso,
considerou o quão necessário era estabelecer na rotina da família o hábito de
ter esse momento de comunhão à mesa.
Além de o casal ter que cumprir suas atividades
profissionais, Gustavo passou a frequentar a creche e, com isso, a família
ficou privada da presença um do outro pela maior parte do tempo. “Seguindo os
princípios bíblicos, identificamos o poder da celebração ao redor da mesa,
justamente quando nos demos conta de que estávamos reféns de nossos
compromissos externos e insensíveis aos compromissos dentro de casa”, verificou
Iranildo.
Uma vez constatado isso, a celebração em família passou a
fazer do encontro um momento em que simultaneamente pais e filho dispõem ali de
um alimento para a vida e para o reforço dos laços amorosos. A vivência
partilhada torna o ser humano mais próximo, resultando na conquista de uma
intimidade semelhante à do encontro pessoal que Adão e Eva tinham com Deus
diariamente no Jardim do Éden.
A mesa é também um sinal de alegria e comunhão (Ap 3:20). Na
parábola do filho pródigo, vê-se que ele não sentia saudade das viagens, das
faculdades pagas pelo pai, mas que recordava com alegria os momentos em torno
da mesa e da presença familiar (Lucas 15:17). Além disso, é bom ressaltar que o
ápice da reunião cristã é a ceia, ou seja, mais uma vez a mesa está
representada.
Nos momentos em que Jesus não estava presente em forma
humana, Ele ensinou que o pão seria a figura que O representaria, permaneceria
como peça central da mesa e como forma de enfatizar a presença sobrenatural e
redentora de Sua existência. “Não é apenas comer à mesa que faz a diferença.
Comer à mesa com a presença da graça é o que importa”, ensina Devi, destacando
que ali é um lugar para edificar e não para destruir.
CIÊNCIA A FAVOR DA RELIGIÃO
A hora da refeição é considerada por psicólogos,
psicopedagogos e pediatras muito importante para a educação, não só alimentar,
mas psicológico-existencial das crianças. A socióloga alemã Ângela Keppler
conduziu uma pesquisa com 300 famílias alemãs, onde se demonstrou que famílias
que optam pelo velho hábito de conversar durante as refeições, em vez de
assistir à televisão, obtêm maior harmonia e fluidez em suas relações. A
socióloga chegou à conclusão de que uma das melhores terapias familiares é a
comunicação à mesa.
As comprovações científicas não param por aí. Estudos da
Escola de Pedagogia de Harvard, nos Estados Unidos, revelam que quem
compartilha regularmente as refeições com a família, além de comer melhor, tem
maior bem-estar físico e emocional. No Centro Nacional de Dependência e Abuso
de Drogas da Universidade de Columbia (EUA), foi descoberto que quanto mais
refeições são feitas junto com os pais, mais os filhos se dão bem na escola e
atrasam a iniciação sexual; além de ter menos probabilidade de beber, fumar,
usar drogas, ficarem deprimidos, brigarem ou desenvolverem distúrbios
alimentares.
Um levantamento realizado em 2007 com 20 mil alunos ingleses
de 16 anos demonstrou uma forte relação entre refeições regulares à noite com a
família e o bom desempenho no exame escolar feito por todos os secundaristas da
Grã-Bretanha. Ainda na Grã- Bretanha, segundo os dados da pesquisa, que foram
recentemente publicados pelo departamento de “Crianças, Escolas e Famílias” do
governo britânico, constatou-se que os melhores resultados estavam entre os
filhos de famílias que se reuniam para jantar.
Outra pesquisa realizada pela Universidade de Harvard, dos
Estados Unidos, mostrou que a criança que se senta à mesa com os pais
alimenta-se melhor em comparação aos coleguinhas que comem sozinhos. Ainda em
outra análise, com 16 mil crianças de nove a 14 anos, as frutas e vegetais
aparecem quase duas vezes mais no prato daquelas que fazem as refeições com a
família ao redor da mesa.
Esse fato foi comprovado pela família Pelição. Membros da
Missão Evangélica Praia da Costa, os pais, João Batista e Vanuza, passaram a se
incomodar ao ver suas crianças almoçarem vendo televisão. “Há cinco anos
sentamos todos à mesa. Isso ocorre no café da manhã, almoço e jantar. As
crianças passaram a comer alimentos que antes não comiam. Incentivamos também a
autonomia, a partir do momento em que permitimos que se sirvam sozinhas, além
de fazermos a oração e lembrarmos que o alimento é dado por Deus”, explica
Vanuza.
De acordo com a mãe, as crianças não comiam determinadas
preparações e, quando começaram a ver o exemplo dos pais, animaram-se a
experimentar e aceitar determinados alimentos. “Comer juntos à mesa é um ato de
decisão, é necessário pulso firme e persistência”, resume. Para atrair ainda
mais a família e vencer a batalha contra a televisão, Vanuza conta que varia a
forma em que a mesa fica disposta e que, inclusive, fazem piqueniques em outros
cômodos da residência, proporcionando um momento diferente, alegre e
descontraído, colocando em prática o que Devi Titus orienta: “sua mesa deve
sempre ser vista como um lugar feliz, de interação, calor humano e aceitação.”
REFEIÇÃO INOVADORA
Buscar meios alternativos, semelhantes e tão eficientes
quanto a forma tradicional de se assentar a uma mesa faz parte do bom hábito
neste processo. Fabio Hertel, membro da Missão Evangélica Praia da Costa e
diretor de Comunicação e Novos Negócios da Hortifruti, porém mais conhecido
como “the table man”- já que fala tanto sobre o assunto -, ressalta que esta é
uma semeadura com colheita perene, mas não instantânea.
The table man (o homem mesa) arrisca a dizer que, talvez por
isso, essa sociedade imediatista não veja tantas vantagens de estar em família
à mesa. É uma relação como outra qualquer, e como tal, tem que ser aprofundada,
conquistada. Sentar-se à mesa é um salto que precisa ser experimentado por toda
a família. Com os adultos, é preciso informar, conscientizar e decidir: só
faremos refeições à mesa. Com as crianças, necessita-se de um pouco de
paciência e muita criatividade.
Fabio inova e diz que a mesa tem que ser uma atividade
legal, lúdica e abençoadora. “Criei um jogo da família, com 20 prendas para
serem pagas após as refeições; brincamos de jogo da velha, forca, telefone sem
fio e outros passatempos. Tudo para que aquele momento seja bem divertido.
Temos várias toalhas quadriculadas e fazemos piquenique dentro do apartamento.
Nossa mesa tem que ser alegre”, aponta.
Os líderes de casais da Igreja Evangélica Assembleia de Deus
Ministério do Aribiri, Robson e Fabiane Borges, contam que herdaram esse hábito
de sentar-se à mesa com os familiares e já o aplicam no dia a dia com a sua
filha, Julya, de 8 anos. Mesmo morando em uma casa pequena e tendo uma mesa de
apenas quatro lugares, a família Borges faz questão de providenciar condições
para que quando extrapolar o número de ocupantes, as visitas partilhem juntas
desse momento sagrado que é a refeição. “Se não tivermos tempo para a esposa
podemos nos distanciar e esquecer que nos amamos. Se não tivermos tempo para
nossos filhos, o traficante tem. Por isso o mundo que está cada vez mais
perdido e todo tipo de prevenção é válida”, constata Robson.
Com relação à hora mais apropriada para se organizar esses
encontros, a dica de Fábio é que os pais sejam flexíveis, coerentes, mas resolutos.
Quanto mais, melhor. E qualquer momento, ou qualquer refeição, é uma
oportunidade para se divertir à mesa. “Estar com a família é sempre bom, mas a
mesa é um altar que precisa ser restaurado dentro de nossas casas. Sob este
aspecto, nada pode substituí-la. Aconselho que se comece aos poucos e se vá
avançando na prática de se reunir à mesa”.
É como uma disciplina devocional. Não deve ser encarada como
um castigo, mas como uma bênção de Deus. É um tempo mágico, de encontro com
quem se ama. A mesa é muito democrática, adultos e crianças ficam mais ou menos
da mesma altura. The table man relembra que as cinco maiores religiões do mundo
– judaísmo, islamismo, budismo, hinduísmo, e cristianismo – recomendam as
refeições familiares.
“Creio também que é uma vereda antiga, um princípio de Deus
que foi se perdendo”, reconhece. Um dos piores momentos da vida de Israel foi
quando cada um fazia o que queria de forma isolada. Cada um fazia o que achava
mais reto (Juízes 21:25b). O texto não fala que o povo fazia coisas erradas,
mas o que achava bem aos seus próprios olhos, sem vínculo ou comunhão. “Quando
a família não se encontra à mesa, o povo não se encontra como nação”, resume
Fabio.
Para encerrar, a autora Devi Titus faz uma convocação aos
leitores: “Se quisermos preservar e proteger nosso lar, casamento e nossa
família, desfrutar do potencial escondido que estamos perdendo e restaurar um
princípio fundamental que o próprio Senhor estabeleceu há milhares de anos,
então, é hora de arrumarmos a mesa!”.
Fonte: Revista Comunhão