“O que Deus uniu o
homem jamais separe!”. Ao que parece, essa sentença nunca esteve tão ameaçada
quanto nos dias de hoje. O casamento, como instituição sagrada, imutável e
indissolúvel, vem perdendo prestígio por conta de um conjunto cada vez maior de
circunstâncias.
No Brasil, o fim da exigência de prazos para dissolução
legal dos casamentos fez com que a taxa geral de divórcios atingisse, em 2010,
o seu maior patamar desde 1984, quando foi iniciada a série histórica das
Estatísticas do Registro Civil, divulgada recentemente pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atingindo 1,8 por mil habitantes
entre pessoas de 20 anos ou mais. Ainda de acordo com o Instituto, entre 1990 e
2007, ou seja, em apenas 23 anos, a taxa de divórcio cresceu 200%.
Embora não haja nenhuma pesquisa específica que aponte os
números de separações entre evangélicos, é possível supor que o problema atinja
também esse segmento da sociedade em proporções inéditas. Basta que o leitor
observe sua própria congregação. Dificilmente não haverá casamentos desfeitos
em sua igreja. Mas, quais são os fatores causadores desta situação, que afeta
em cheio as famílias brasileiras? O que diz a Bíblia sobre o divórcio? Como
agem as organizações evangélicas destinadas a ajudar os casais em crise?
Segundo especialistas em terapia de casal ouvidos pela
reportagem da revista Comunhão, os problemas que mais afligem a vida a dois –
mesmo a dos casais evangélicos – são aqueles relacionados a dificuldades
financeiras, relacionamentos conflituosos com a família de origem, vida sexual,
saúde debilitada e decepções. Falta de diálogo e infidelidade conjugal também
são reclamações constantes. Por esse prisma, a tecnologia vem contribuindo em
muito com o aumento do número de divórcios no mundo, seja afastando os casais
de uma convivência real em favor do mundo virtual, seja abrindo oportunidades
perigosas ou angariando provas da infidelidade do homem ou da mulher.
A proliferação de câmeras digitais e smartphones, aliada à
popularização das redes sociais, fazem com que os cônjuges infiéis tenham mais
dificuldade em escapar incólumes, tendo um papel cada vez maior nas separações
de casais, segundo advogados especializados em divórcios. Embora não se consiga
medir com exatidão a relação entre essas ferramentas e o fim das relações, a
Associação de Advogados Matrimoniais dos EUA estima que as publicações no
Facebook já correspondam a 20% das provas apresentadas por cônjuges do país na
hora da separação, de acordo com pesquisa divulgada neste mês de março.
O pastor Cláudio Almeida dos Santos, que há três anos vem
realizando encontros para casais em sua igreja, a Assembléia de Deus Missão
Shekinah, em Vila Velha (ES), aponta outro fator que causa graves problemas nos
relacionamentos de hoje: as expectativas irreais que um tem sobre o outro. “Ou
seja, as pessoas esperam do seu cônjuge aquilo que ele não pode dar e, com o
passar do tempo, começam a achar que fizeram a escolha errada, ou mesmo que não
estavam preparados para assumir um compromisso tão sério”, explica o pastor.
Curiosamente, o próprio Cláudio quase terminou seu casamento
anos atrás, devido a outro grave problema social: “Sou alcoólatra. Estou
liberto desse vício desde que me converti. Mas, na época, minha esposa, Sonia,
inúmeras vezes pensou em sair de casa. Nunca nos agredimos fisicamente, mas com
palavras eu a fiz sofrer muitas vezes. Eu dormi muitas vezes na rua, sem
condições de chegar em casa”, revela.
A tragédia causada pelo alcoolismo só foi evitada porque
Cláudio se converteu ao Evangelho. Mas, conta ele, uma mudança profunda no
relacionamento com a esposa levou mais tempo e outro tipo de “processo
interno”. Cláudio relata que levou mais de 20 anos para encontrar a verdadeira
harmonia no casamento: “Estamos casados há 28 anos, mas sempre vivemos uma vida
de muitos conflitos. Cheguei a pensar em me separar, a abandonar tudo, mas o
temor a Deus, e o medo de voltar à vida que eu tinha antes de me converter, me
fizeram procurar ajuda. Somente há cerca de quatro anos conseguimos resolver nossos
problemas, graças a muita terapia e orações. Tem de ter esperança e paciência
para vencer essa batalha”. O pastor conta que, a partir de sua própria
experiência, iniciou seu ministério com casais baseado na seguinte premissa: “O
que Deus uniu, o homem, os parentes, a vida financeira, a saúde…nada pode
separar!”
Separar ou não, eis a questão…
Há vários textos bíblicos que apoiam os argumentos daqueles
que defendem a tese de que o casamento é indissolúvel. Em Mateus 19, o próprio
Jesus responde às perguntas dos fariseus acerca do divórcio: “E aconteceu que,
concluindo Jesus estes discursos, saiu da Galiléia, e dirigiu-se aos confins da
Judéia, além do Jordão; E seguiram-no grandes multidões, e curou-as ali. Então
chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem
repudiar sua mulher por qualquer motivo? Ele, porém, respondendo, disse-lhes:
Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, E
disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão
dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que
Deus ajuntou não o separe o homem. Disseram-lhe eles: Então, por que mandou
Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la? Disse-lhes ele: Moisés, por
causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas
ao princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua
mulher, não sendo por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério;
e o que casar com a repudiada também comete adultério”.
O apóstolo Paulo, em sua primeira carta ao povo de Corinto,
também fala sobre o tema de forma inflexível, no capítulo sete: “Todavia, aos
casados mando, não eu mas o Senhor, que a mulher não se aparte do marido. Se,
porém, se apartar, que fique sem casar, ou que se reconcilie com o marido; e
que o marido não deixe a mulher. Mas aos outros digo eu, não o Senhor: Se algum
irmão tem mulher descrente, e ela consente em habitar com ele, não a deixe. E
se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em habitar com ela, não o
deixe. Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher
descrente é santificada pelo marido; de outra sorte os vossos filhos seriam
imundos; mas agora são santos. Mas, se o descrente se apartar, aparte-se;
porque neste caso o irmão, ou irmã, não está sujeito à servidão; mas Deus
chamou-nos para a paz. Porque, de onde sabes, ó mulher, se salvarás teu marido?
ou, de onde sabes, ó marido, se salvarás tua mulher?”.
O texto é claro, mas não resolve o problema de quem sofre
dia a dia com uma convivência difícil. Em grande parte, quando se chega a esse
ponto, já não há mais amor entre os cônjuges. Então, a solução seria viver uma
vida acorrentado à tristeza, abrindo mão assim da possibilidade de uma vida supostamente
mais feliz? Diretor e conferencista do Oikos, ministério cristão de apoio à
família, Gilson Bifano diz que a argumentação de que o amor acabou e, em
consequência, não há por que lutar para reatar o casamento, não condiz com a
realidade do problema.
“O amor acaba porque os casais não o alimentam. Amar é uma
decisão. Todos os dias deve haver disposição de amar o cônjuge. O abandono do
casamento não é da vontade de Deus, especialmente para os casais cristãos. Eu
diria que os casais com dificuldades deveriam lutar pelo casamento, procurar
ajuda através de um aconselhamento, ou uma terapia. Se os casais lutarem por
seus casamentos, teremos, com certeza, menos divórcios” diz ele, de forma
simples.
Com a mesma esperança na restauração, por vezes milagrosa, o
pastor Narciso Marques, coordenador do ministério Casados Para Sempre, da
Igreja Batista de Lagoinha, em Belo Horizonte (MG), diz que receberá
aproximadamente 200 casais, divididos em 33 grupos, apenas no primeiro semestre
deste ano. O ministério tem diversos programas para o fortalecimento da vida a
dois daqueles que querem prevenir uma crise ou mesmo para aqueles que já vivem
uma realidade dolorosa. Há encontros, acampamentos de casais e oportunidades
para aconselhamento individual e, até mesmo um curso de finanças para a família
– área que costuma gerar muitos conflitos.
“Recebemos casais com todo tipo de problemas, não dá nem
para descrever. São coisas inusitadas até, desde casos em que o casal não
consegue tirar o filho já crescido da cama deles até os que se separaram devido
aos filhos terem graves problemas com drogas. Há aqueles que já estão com aos
papéis do divórcio em andamento. Mas, não importa a situação, se houver o
interesse e empenho dos dois, a coisa é reversível, por mais caótica que seja
aos olhos do homem. Deus age. É isso que nos diferencia de outros grupos de
apoio não crentes. Nós, evangélicos, contamos com a intervenção divina!”.
Já o pastor Julio César de Araújo, um dos líderes do
ministério Casados Para Sempre criado pela Igreja Evangélica Congregacional do
Brasil, destaca, do alto de seus 11 anos de experiência no treinamento de
casais e de conselheiros matrimoniais, a preocupação com os efeitos sobre a
família que, ele afirma, pode ser afetada de uma forma muito traumática: “Quando
há a quebra de aliança com Deus e, por consequência, a separação do casal, vai
haver uma série de transtornos na família, seja pela ausência da figura do pai
ou da mãe, principalmente quando as crianças são pequenas, na primeira
infância. Isso afeta demais o lado emocional e o espiritual das crianças. Tem
gente que diz que, após se divorciar, a convivência com os filhos melhorou, mas
isso não existe, é balela. Filhos de pais separados têm dificuldades que, por
vezes, se manifestam por toda vida”, diz.
O pastor Julio vê com bons olhos o aumento do número de
casais que estão optando pela guarda compartilhada – conforme levantamento do
IBGE o número de casais que concordou em ter a guarda compartilhada de seus
filhos (menores de idade) subiu de 2,7%, em 2000, para 5,5% em 2010 – mas diz
que a medida não soluciona o problema: “É claro que ela diminui o trauma da
separação, que minimiza os danos emocionais da ruptura familiar, mas isso não
pode ser visto como uma solução definitiva. A solução é amparar as famílias
para que elas não se dissolvam”, alerta o pastor.
Fonte: Revista Comunhão
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